Já falei em outro momento, aqui nesse blog, sobre espiritualidade. Entendo a espiritualidade como tudo aquilo que faço como prática de mim mesmo. Sim, isso mesmo. É todo e qualquer momento que eu estabeleço como sendo "o meu momento" ou momento de ficar comigo mesmo e "me praticar", se é que isso é possível.
Seria algo como parar e dar uma atenção para minhas atitudes, meus pensamentos, meu organismo de uma forma geral. Isso é que eu considero espiritualidade. Em minhas observações, percebi que eu tinha uma determinada prática espiritual que me levava ao resultado que eu gostaria, de progresso, crescimento, amadurecimento em vários aspectos... e, ouvindo outras pessoas, pude ouvi-las falando de outras práticas, mas que chegavam aos mesmos resultados: progresso, crescimento, amadurecimento em vários aspectos.
Então, percebi que não era tanto a forma como fazer essa prática, mas a intenção dedicada a ela. Conheço pessoas que fazem do esporte a sua prática espiritual. Outros fazem da sua profissão a sua prática espiritual. Outros ainda chamam esse exercício de reflexão, de terapia, de meditação, de oração... e por aí imagino que sejam muitos os nomes. Todos eles como uma prática de si e que leva a um auto-conhecimento profundo a ponto de desembocar no amadurecimento de aspectos pessoais.
Escrevo esse texto hoje inspirada por uma nova prática da espiritualidade: GRUPOS NARCÓTICOS ANÔNIMOS (NA's). Estive nessa noite em um deles e há tempos me encanto com seu funcionamento, objetividade, maturidade e mais que tudo, efetividade. Eles mesmos denominam sua prática como espiritual e eu concordo plenamente.
Participam desses grupos pessoas que em determinado momento de suas vidas, depois de algum tempo de uso de drogas, decidem que querem parar com o uso e buscam apoio para se manter sem as drogas. O mecanismo é inacreditavelmente simples: as pessoas sentam-se em grupo, o número de pessoas que estiverem presentes, e cada um tem de cinco a 10 minutos para compartilhar questões pessoais relativas ao uso/abstinência da droga.
É claro que estou resumindo bastante o processo, mas ele é basicamente esse. Alcoolicos Anônimos e Narcóticos Anônimos existem pelo mundo inteiro e são mundialmente conhecidos e reconhecidos pela sua efetividade. Sabe-se também que muitas vezes são mais efetivos que terapia ou outros métodos de apoio.
Fiquei pensando sobre isso, então, e me dando conta do poder imenso que tem as decisões diárias que fazemos em nossas vidas. Esse é o terceiro passo, algo como se fosse uma das regras dos NA's, que diz que o adicto só vai parar de usar droga no momento em que ele decidir e reconhecer que ele é o único causador de todo o próprio sofrimento. Simples, não? Nem tanto. A isso eu chamo de auto-responsabilização, título desse texto.
É encantador pelo motivo de que, tendo um pouco mais de informação sobre essa doença, sabemos que substâncias químicas num organismo hereditariamente sucetível são bastante desafiadoras em termos de tratamento psicológico. Somente quando o adicto se faz disposto a iniciar o abandono é que ele acontece, e mesmo assim, com muito custo. E aí é que entra o poder dos grupos de apoio.
Ninguém faz nada pela pessoa que está dando o seu depoimento. Apenas se ouve ao outro. Quem está na vez de falar, apenas fala, ou chora, se quiser. Ele dá seu depoimento muito mais a si mesmo do que aos outros. As pessoas quase nem cruzam olhares umas com as outras durante os depoimentos. Vi a maioria cabisbaixo, olhando fixamente para o chão ou para outros lugares.
O que quero dizer e enfatizar é que as pessoas tem a chance de se ouvirem. Talvez como nunca o tenham feito antes, e de admitirem para si tudo o que fizeram. Sem recriminações nem discriminação. Ali todos estão no mesmo barco. Aí está a prática de si: se ouvir... de novo, de novo e de novo. A cada encontro responsabilizar-se pelo uso da droga e não colocar a tal da "culpa" em outras pessoas ou coisas.
É o momento da pessoa finalmente admitir e se redimir perante si. Lembrar quantas vezes ele sofreu por escolha própria. Quão poderoso é o processo de trazer para a consciência aquilo que antes estava escondido... de si próprio. E mais poderoso ainda é quando essa mensagem se torna consciente através daquele mesmo que antes era desconhecedor.
Simples porém profundamente encantador. Tudo a ver com a Comunicação Não-Violenta. Um processo limpo,sem rodeios e reconhecidamente efetivo. É tocante ver e ouvir uma pessoa tão auto-responsável falar e se apoderar do próprio processo interior. Nada mais profundo e transformador.
Bom seria se todos nós pudéssemos lembrar, como nos NA's e AA's, que a cada 24h sou eu quem toma todas as decisões em minha vida e sou eu quem sofre as consequências de cada uma. Lembrar-se da responsabilidade que temos com cada gesto, com cada palavra, a cada dia. Se agíssemos assim, o mundo seria tão autosustentável quanto os grupos de apoio a que me refiro.
Um grande abraço a todos.
+ 24 Horas!
ResponderExcluirParabéns pelo texto. Excelente ponto de vista sobre ¨praticar-se¨.
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