comunicação

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Mentiras Sinceras

Já fui de esconder o que sentia, e sofri com isso.

Hoje não escondo nada do que sinto e penso, e às vezes também sofro por isso, mas ao menos não compactuo mais com um tipo de silêncio nocivo: o silêncio que tortura no outro, que confunde, o silêncio a fim de manter o poder num relacionamento.

 Assisti ao filme “Mentiras sinceras” com uma pontinha de decepção – os comentários haviam sido ótimos, porém a contenção inglesa do filme me irritou um pouco – mas, nos momentos finais, uma cena aparentemente simples redimiu minha frustração. Embaixo de um guarda-chuva, numa noite fria e molhada, um homem diz para uma mulher o que ela sempre necessitou ouvir. E eu pensei: como é fácil libertar uma pessoa de seus fantasmas e, libertando-a, abrir uma possibilidade de tê-la de volta, mais inteira.

Falar o que sente é considerado uma fraqueza. Ao sermos absolutamente sinceros, a vulnerabilidade se instala. Perde-se o mistério que nos veste tão bem, ficamos nus e não é este tipo de nudez que nos atrai.

Se a verdade pode parecer perturbadora para quem fala, é extremamente libertadora para quem ouve. É como se uma mão gigantesca varresse num segundo todas as nossas dúvidas.

Finalmente se sabe. Mas sabe-se o quê?

O que todos nós, no fundo, queremos saber: se somos amados.

Tão banal, não? E, no entanto, esta banalidade é fomentadora das maiores carências, de  traumas que nos aleijam, nos paralisam e nos afastam das pessoas que nos são mais caras.
 
Por que a dificuldade de dizer para alguém o quanto ele é – ou foi – importante?

Dizer não como recurso de sedução, mas como um ato de generosidade, dizer sem esperar nada em troca. Dizer, simplesmente.

A maioria das relações – entre amantes, entre pais e filhos, e mesmo entre amigos – ampara-se em mentiras parciais e verdades pela metade.

Podem-se passar anos ao lado de alguém falando coisas inteligentes, citando poemas, esbanjando presença de espírito, sem alcançar a delicadeza de uma declaração genuína e libertadora: dar ao outro uma certeza e, com a certeza, a liberdade.

 Parece que só conseguimos manter as pessoas ao nosso lado se elas não souberem tudo.

Ou, ao menos, se não souberem o essencial.

E assim, através da manipulação, a relação passa a ficar doente, inquieta, frágil.

Em vez de uma vida a dois, passa-se a ter uma sobrevida a dois.

Deixar o outro inseguro é uma maneira de prendê-los – a nós – e este ‘a nos’ inspira um providencial duplo sentido.

Mesmo que ele tente se libertar, estará amando aos pontos de interrogação que colecionou.

 Porquê economizar nossos ‘eu te perdôo’, ‘eu te compreendo’, ‘eu te aceito como és’, e o nosso mais profundo ‘eu te amo’ – não o ‘eu te amo’ dito às pressas no final de uma ligação telefônica, por força do hábito, e sim ‘eu te amo’ que significa:

‘seja feliz da maneira como você escolher, meu sentimento permanecerá o mesmo’.

Libertar uma pessoa pode levar menos de um minuto.

Oprimi-la é trabalho para uma vida.

Mais que as mentiras, o silêncio é que é a verdadeira arma letal das relações humanas.


Martha Medeiros




2 comentários:

  1. O silêncio muitas vezes é devastador. Mas também existem coisas que não devem ser ditas. Outras podemos. Tem sentimentos que não podemos nem devemos nos permitir. Isso ocorre quando o que sentimos pode machucar outras pessoas. Quando isso acontece, o silêncio passa a ser benéfico.

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